Seleciono discos que possam tocar e repetir e repetir
a tarde toda em que estarei deitado , ou subitamente
em algum shopping ( com á música tocando dentro de mim,
em forma de neurose digital)
Repetir , repetir , não deixar espaço para o silêncio
Hoje eu chutei .
Hoje eu não fui .
Hoje eu não compareci .
Hoje eu não trepei.
Hoje não assinei o ponto .
Eu queria uma canção rouca para me colocar
naquele lugar em que meus amigos mais íntimos
me aconselham a sair :
-Paulo , você não vive na realidade .
Mas são as mesmas pessoas que não esperam
a noite chegar ao fim,
quando ela-tequila-limão
canta a última canção com o sol já
despontando e machucando a enxaqueca



eu já disse isso,
mas é comigo que voltará para casa ,
que beberá da minha cerveja
e vai se agasalhar com o cobertor
que mantenho sempre jogado
sobre o sofá ,
é comigo , é comigo
que o dia seguinte se fará impossível
e iremos passar o tempo todo ouvindo
canções pré-programadas
e fazendo sexo como quem está dormindo ainda
o frio do tempo é uma tela plana , um lençol ,
travesseiro fino , pé descoberto .
você desperta , parecendo assustada,



a madrugada escureceu tudo,
e você já não sabe mais quem é esse cara
com quem divide a cama &
mucosas
- Quem é você ?
- Eu não sei , menina .Nunca soube .

diante da minha negativa,
você parece se acalmar :
ao menos é um cara sincero .
levanto nu da cama
troco os cds
agora quero música imemorial ,Bach , essas merdas ,
programo
volto para debaixo das cobertas
e no seu corpo aquecido
encaixo
e mais um dia de canções na disqueteira
será .
você me chupa
enquanto eu te chupo
e toda nota parece perfeita .

Ela diz que parece que não a ouço
Mesmo que olhe para sua boca
& eu não a sabia tão esperta .
Confesso que sua conversa é desinteressante,
porém que sua boca tem um formato peculiar
com o lábio superior formando naturalmente
um bico , muito semenhante aos que despontam
através da camisa , formando então
um triângulo entre boca e bicos dos peitos
Com uma angulação bastante perfeita e
pitagórica .
Ela diz que mesmo com a ofensa sobre
a baboseira da sua fala ,
está inclinada a tirar a roupa para uma
averiguação poética .

(Man Ray-1929-"Nude")
Pergunto se podemos ir bebendo alguma coisa
e se ela se incomoda com meu cigarro ,
não , não , está tudo bem , ela também fuma
maconha vez ou outra , será que eu não tenho ?
Algo mais forte talvez .
E assim tomamos umas gotas de um veneno ,
que em doses regulares produz euforia
e excitação sexo-intelectual
Joga a camisa para o canto do estúdio
junto com meus livros e quadros inacabados
e sorri com os três bicos ,
um sorriso de enrijecimento
e ouço a carne tilintar ,
desgrudando de si própria , do enfurnamento ,
para entrar no jogo do desejo.
Quanto mais ela se desnuda ,
mais eu vou me vestindo com coisas
que saco do armário : malhas , echarpes , tweed,
Isso a faz gargalhar e realmente tudo que nos cerca
perde a dor de ser , fica hilário
fica leve em nosso teatro .
Quando já estou pesando mil quilos de algodão
ela resolve colocar fim na questão :
- Vamos nos abraçar até amanhã , vamos dançar colados ,
vamos dizer orações em nossos ouvidos , vamos sonhar com
viagens e com estradas lisas como esse dia .
- Você até que não fala tanta merda .
- Paulo , Paulo ...você não percebeu que agora estamos em
outro ESTÁGIO ?!
Choro , chamo minha mãe ,
ela chora chama por alguém ,
chamamos por várias pessoas ,
antes de verificarmos que estamos
ontologicamente , fudidamente ,
sós .
Eu apago o cigarro com a sola do sapato ,
levanto da banqueta
e vou até ela , que me olha verde .
Não há nada mais
que qualquer um
possa fazer dessa vida.

paulo.

“O Que Pró Invoca”

Paulo Castro

1)
Os poucos
Que se quebram
Na letra perfura
O céu grão de areia lua cheia
Tudo isso se houver
Gastura do meu corpo
Agradeço.

2)
Os gregos e tremendos
Caducam dança
Na geometria
Da televisão.

3)
cordas vocais : piano contra-tempo :
eu quase que meio que assim te amo
de arco tenso da corda perplexa .
teatro cinza cimento
e se sentir os momentos,
fosse imortal ?

4)
Escorre arte se você não
Me deixa à parte

5)
Capim cidreira fervido com vinho
Numa receita bruxa
Do livro graxa mandado
Faço de conta espanto
Nas contas cabelos carícia do seu amor .

6)
Nascer é ficar nua, sente ?
O que te prenda , segura , prende ?
É currículo fazer a fibra ferver,
Aferida a Guia ,
Que pobreza teu nevo negro,
Depositado ao pé da janta cruz
De olmo consolante

7)
Hoje o céu está de luto
A criança sorri para a mãe
Comemos da fruta e a carta ás:
O sorriso é só mecânica sirene
Sua fotografia , reza , perdeu a graça.


8)
“o pálido sentido da palavra morte
batido sem trégua num espelho de dias
mas como habituar-se com essa literatura
que preenche a vida de corpos e afasia
terrificante ainda a credulidade
por exemplo a dos olhos duplicados
na superfície inquiridora deste vidro
me interpela um anjo não nascido
( os olhos bem mais velhos que o olhar )
um anjo que brinca e depois anuncia
que os olhos são velhos e lhe pertenciam
que um eu ali se consumia.”
( Moacir Siscar )

9)
Para bom entendedor
Meia pasta : basta !
Todo livro deveria ter porta dos fundos:
Sair depois das sociais, boa sorte e tudo mais
Subitamente :
Tenho menos o que fazer !


10)
Tudo bem , tentar sobreviver com réstia
Inventada de alegria
Falta de tempo que se tem de sobra
Ligando paraíso e virtude do entendimento,
Mas é um pena que agarra a carne :
Nunca , ervas , um dia serás poeta .

11)
Letra cosmética é a que morre de astúcia .

12)
Boa vizinhança, jeitinho para dizer os trocos
Ficando antecedente com os louros
Wally : - me segura que vou ter uns troços !

13)
Eu quero tão somente dar um presente
À inimiga gozando passado durante
Umas palavras simplismente
Te amo apesar de tudo .
Brasa de cigarro não queima entremente .

14)
Deus dará .
Fazer de conta que não ouve nada
Silêncio que como morto vivo
Corpo decantado na cama
Mistura de nós foi fato sempre represente
Não adianta buscar proteção, som as asas de amparo
Antes, paro colchão campanário ,
Vê se entende o meu selo floral
Que cola a carta do que
Quer se enganar .


15)
“Tudo pau à-toa , pauzama , no ignorado
De nome e fama
Ainda por fazer : pau-em-ser.”
(Age de Carvalho )

Recebo um sedex errado, não era pra mim,
uma casa depois .
E dentro dele
vários compartimentos de plástico e durex
contendo docinhos e salgadinhos
de aniversário.
O nome do vizinho escrito em letras tremidas
na caixa , que jogo no lixo
me lambuzando de coquetes quindins.
- Ei , venha cá , veja só o que os tais anjos
em que você acredita ,
nos deixaram ...
...uma festa inteira !
- Eu não acredito apenas . Eles existem , Paulo ! Mas
enfim , o que vamos comemorar ?
- Que tal , a ilusão da Verdade , os nomes
que damos pra as coisas , as coisas sem nome,
o melhor livro nunca publicado ,
as pinturas de Egon , a invenção do átomo ,
as flores que se compram na feira ,
as caras feias ,
as minhas amantes ,
os seus caras ,
o nojo , o suplício e o gozo ,
a nudez da beata, o recato da puta ?


- Te amo porque seu karma é fazer boas escolhas ,
apesar dessa moral niilista .
E nisso , ela já estava atacando algumas bolinhas
de queijo ,
& eu nos brigadeiros
e um chupando os dedos do outro, que assim
é mais gostoso .
- Sério , como isso tudo veio parar aqui ?
- Já disse , foi um anjo . Ou você
não acredita mais neles , sua incrédula escrota ?

(muitas risadas e chupando os dedos um do outro
até os anéis nossos, que assim é mais intenso )

No vizinho , uma criança chora alto .
E na África outras morrem de fome .
A Vontade divina é insondável , caralho .
- Por que será que essa criança chora tanto, meu benzinho ?
- Não faço idéia . Continue comendo e esfregue
um olho de sogra na ponta do seu peitinho , isso.
- Assim ? Que meleca ! ( safadeza )
- Hemingway estava errado , linda . Não só
Paris é uma festa . Até mesmo essa nossa
pequena amostra grátis de mediocridade .

Batemos palmas e roupas de baixo no chão .
Açucar e secreção .

(paulo)

PS : Nessa quinta, toda quinta,
começo a escrever
no site de uma moçada barra pesada
, dos bons . Uma honra etc e tal .
Cada dia da semana , um cronista .
Anota aí :
http://cronistas.blogspot.com
Valeu .