Páginas de Literatura Corporal

26.12.04

MOËT CHANDON.

Sairam do restaurante vagabundo, já meio chapados, aliás já chegaram meio chapados, vinham chapados nos últimos dias.
As pessoas chamam isso de "Festas".
Tropeçaram na rua, torceram os pés.
Edema de tornozelo indolor.
Nada que os impedisse de continuar andando.
Rua acima.
Otários sérios com suas tias & galinhas assadas passando pelo casal.
( O casal existe. )
Entraram cambaleantes doidos azucrinados
no EMPÓRIO .
E viram as garrafas chiques.
Apesar dos bolsos já vazios e sujos.
Ela de saia, ele de jeans.
Jeans de bolsos sujos e tênis de cor indefinida entre o
lixo pisado e as pérolas nas amarras.
( O casal gosta de grudar pérolas na angústia. O casal existe.)
E estava lá a garrafa mais chique, grandona, brilhante, de troféu F-1.
MOËT CHANDON...MOËT CHANDON...MOËT CHANDON,
como um mantra inventado desde 1743,
numa França que ainda não conhecia a baboseira
de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Numa França ainda de gente nobre, que ligava ligações perigosas.
( O casal entrava em momentos de silêncio em suas vidas. O casal existe.)
E o cara então pergunta, trazendo sua garota mais pra si :
- Aí , velho, quanto custa essa garrafa ?
- Mais do que você pode pagar, menino.
- Pois dá três .
- Mostra a grana.
Beijou a boca dela, tirou do bolso sujo um monte de papel amassado.
O velho contou e dava .
Era o que lhes restava para todo o fim do mês.
Mas riam até babar no chão do EMPÓRIO.
( O casal ria muito, quando vencia o silêncio. O casal existe.)
E foram pra casa. Uma casa amarela, pois assim dizia a numerologia.
E ficaram nus.



("The Embrace",1903,Pablo Picasso)

Silêncio era sorriso.
Ela se deitou.
Ela abriu as pernas.
Ele abriu a garrafa.
A garrafa já vinha gelada.
A rolha trepidou paredes amarelas.
Ela abriu o cálice pelúcido que trazia no meio das coxas.
Ele derramou MOËT CHANDON e o mantra ali dentro.
Ela levantou as pernas abertas para o teto.
Ele abaixou a boca.
Ele bebeu.
E quanto mais bebia, mais colocava língua e espuma.
Dentro, adentro, bem dentro.
( Simplismente. O casal existe.)
O Cálice Pelúcido.
O Gole nada Graal.
Noite longa e chapada.
O Brinde Feito Gozo e Gemido.
E ainda
restavam
mais
duas
garrafas.

beijos.

Paulo Castro.

PS : ATENÇÃO GENTE >> Criei um grupo Yahoo pro Literatura Corporal. Gostaria muito que todos que curtem esse espaço de LIBERDADE na escrita fizessem parte.
Basta mandar um e-mail em branco para o seguinte endereço :
literaturacorporal-subscribe@yahoogrupos.com.br
A idéia do projeto é trocarmos experiências textuais delirantes e publicar os textos ( devidamente creditados, obviamente), aqui, para que o povo todo possa ler, curtir, se incomodar, ter prazer, fúria, sentimentos fortes.
Ok ? Encontro vocês lá .

15.12.04

POMPÉIA , 79 d.C.

Na solidão,
sou invadido pelas mais diversas imagens eróticas, que me excitam e me confundem,
não sei de onde aparecem, de quem são os rostos, as bucetas, os pintos.
Aparecem em sonho.
E ando dormindo muito.
Aparecem no meio da rua, sob a forma de curiosidade :
- Como será que essa pessoa goza ?
Um amigo me contou como determinada figura fica com a cara na hora da penetração,
diz que é algo parecido com dor, que as bochechas sobem, se aproximando dos olhos,
fechadinhos. Imaginei um panda .
Perdeu a graça.
Tem gente que desiste do sexo.
Tem gente que se queima ao sol se fica sem sexo, desidrata, sério.
Mas as imagens safadas, ah, essas imagens de teor frutificante
da libido emocionada,
Essas continuam ANCESTRALMENTE me invadindo .



E não falo de masturbação não.
Falo de princesinhas saindo do hair maker,
Falo das aluninhas do ensino médio,
Falo das Lolitas nunca ultrapassadas,
Sou tomado pelo bumbum que passa rente à minha sacada no MacDonald's.
Eu e meu BigMac, MacMax, essas coisas
Coca-Cola sem gás e tal.
E os caras ?
Com os caras rola um problema . Sempre acho que eles gozam com a minha feição.
E sigo sempre os seguintes passos no orgasmo :
1) Seriedade . ( "Fizemos algo e fizemos bem.")
2) Carinho sob a expressão de um sorriso. ("Fizemos algo e fizemos bonito.")
É meio narcisista, eu sei, mas fazer o que ?
Tenho um espelho móvel no quarto, é ,
Só pra ir brincando, brincando de fazer cinema,
cinema tarado, caramba,
Mas com toda arte do mundo, afinal as secreções corporais já alimentaram
gerações de Deuses...
O néctar que não vem na caixinha não !
Nada de DEL VALE, o cacete.
E me diga lá,
quem não se retorce em imagens de pruridos gostosinhos ?
quem não se pega querendo pegar o relance do proibido ?
É ANCESTRAL, eu tô dizendo...
Esse mármore aí mesmo, de Pompéia, a Cidade Castigada,
por volta de 79 d.C. ,
a Gente sabe que vem o castigo, Cama de Gato,
mas mesmo assim, fumando aqui um cigarro,
a cabeça fica cheia de idéias sem origem,
idéias dos chakras mais desconhecidos,
segredos de sacerdotisas safadinhas,
aqueles ligados diretamente
aos arquétipos de Desejo Irrefreável.
E eu vou andando e captando tudo na máquina do Querer,
misturando tudo no liquidificador onírico,
no batedor de bolo
na falta do que fazer.
Pompéia, Cidade Castigada,
vai em frente,
faz de novo,
coloca ação,
não tem medo,
não tem medo não.
Apague a mente, rasure a História,
mas não apague as imagens.
Espetáculos Radiantes de Cotidiano.
Em que as gentes são mais gente.

beijos.
Paulo.

4.12.04

Conheci um POETA da Verdade

Não é papo furado. Eles ainda existem.
Faço um texto em homenagem.
Mas não é chato, acho, continuem...
Tentei escrever algo sobre aquele cara,
inclusive ficou um mal-entendido,
o máximo que consegui foi usar
um poema dele para fechar minha crônica
ao Jornal Correio Popular,
e foi assim :

"Porque procuro no poema final e definitivo a face de Deus, todos o versos que escrevi me hão-de condenar ao inferno."

Podem imaginar como me identifiquei imediatamente com isso.
Eu o vi numa noite do espetáculo "RED SHOES"
e depois fui visita-lo na QUASI EDIÇÕES , onde é um dos "chefões" ( ! não ! )
ao lado do também mágico valter hugo mãe, cujo livro vi ser lançado na beira do litoral em que,outrora, se negociavam centenas de bois ao mar .
Mas falo aqui de JORGE REIS-SÁ ( www.jorgereis-sa.com)
O poeta que me recebeu
e me encheu de livros para trazer ao Brasil...fica sentado com suave displicência, Jorge, fica :



Ele ia transitando entre as colunas de encadernações e, sem cansaço,
lotando minha mala de maravilhas .
Sua poesia é muito específica :
É só dele . Mas também não. Afinal é estrofe válida.
Os imbecis brasileiros chamariam seu verso de "ego-trip",
já que dele próprio é a musa ,
dele é Maria do Rosário Pedreira, Mafalda Veiga, Paulo Brandão ( !!!!...ah...) , o Poema ao Filho, a ANA , que está nas entrelinhas de todos os poemas .
Mas por que senti tamanha proximidade, se é tão particular ,
sua "Biologia do Homem" ? ( trabalhou com a vida, a pathós-logos, com a Genética dos Povos ).
Caralhas !
Ele mesmo que se explique :
"TODO POEMA"
Todo poema é circunstância de um tempo e de um lugar.
Todo poema é memória dessa circunstância. Todo poema
é memória de um tempo e de um lugar. Todo poema é memória.

Ou ainda :

"ESCREVE O SANGUE NA PELE"
Escreve o sangue na pele, sobre as ervas do
campo os pulmões brancos de geada.
Há uma infância subindo a rua, deixando
a memória pronta para a revista.

Fala da MINHA infância ! Como sabe, ô meu !?
E por aí vai . Sempre definindo um TERRITÓRIO POÉTICO, UNIVERSAL , para existir singular .
Esse é o mistério do poeta.
Seduz afastando, faz a cortesania na letra, aproxima com o alvo já completamente tomado na raiz do certeiro. Brinca de enigma .
Quando é tão afeto, que se faz.

Pedi para Jorge que me enviasse seus outros livros( não, jovem , 1977, não é de hoje que manda bem ), ele me interessa como teoria poética e como amigo de conversa rápida .
Ele me mostrou seu escritório na Quasi. Disse :
- Paulo Castro, aqui não há lirismo...veja o trem que passa barulhento por aqui...logo atrás de mim...
E eu achei, mais tarde, que é dessa matéria que se faz sua escrita : o cotidiano dos amigos, da amada, aparentemente comum na vida de um editor, de um "executico" , é bobo o trem que passa, sim...mas passa e reverbera.
No início era a RE-VERBERAÇÃO !
Da correria, do dia-a-dia, dos documentos, da saleta .
Mas chega o momento íntimo, quem saberá qual será ?
Em que ele aparece potente e doce.
Único e para todos.
Sim. Ele faz isso.
Honra.
Eu conheci um poeta da verdade.

Paulo.