Páginas de Literatura Corporal

12.9.05

Mini-Porradas.


( Orazio Centaro )


- ontem você comeu meu cu ou foi apenas um sonho ?
- lembro que entrei em um lugar apertado, mas foi fácil, não sei se cu não.
- subi sobre seu corpo ?
- isso me parece claro, bastante palpável até.
- então você comeu meu cu.
- que seja.
- eu quero.
- deixa passar nosso diazepan 50 mg, neozine 45 gotas, anafranil 75...
- a gente espera. só precisa ser antes que o remédio da pressão.
- tudo bem, esperamos as crianças dormirem depois do almoço BigMac.
- eu quero.
- vamos aferir sua glicose no sangue ?
- vamos.

assistimos o filme sobre a lenda do samurai cego.
- como despertar tanto assim os outros sentidos ? eu só te vejo...
- fique cega.
- não, de outra forma.
- abre a boca e feche os olhos...


tudo bem. uma bala cravada na barriga. ninguém por perto. os putos não iriam fazer a gentileza de chamar uma ambulância após o tiro. socorro. socorro. só portas e janelas fechadas em escuridão. merda se misturando com sangue. merda,eu vou morrer logo logo. não vai ser uma oração falsa, agora, que vai me dar o paraíso. existe um limite de pascal pra tudo. foi uma vida idiota. caio na gargalhada, babo pelos cantos da boca, sangue. favela a redor. por que está demorando tanto ? já está até amanhecendo. longe, o som do mar. socorro, socorro. o rapaz do pão desvia a bicicleta para outro quarteirão. passa o dia, eu de joelhos. outra noite. e outro dia. e outra noite. o que é isso ? o que é esse cara jogando cimento sobre mim ? o que é a molecada da escola pública uniforme hasteando bandeira logo ali adiante ? hino nacional. a pá enche minha boca de massa. o pensamento, esse, acho, que pra sempre.


puxa firme a fumaça do baseado. deita no chão. ligam jazz. charlie parker é o que dizem. muito louco é o que dizem. será que todo maluco precisa se explicar tanto ? sonho invasão de úteros.


te pego por trás na cozinha, lavando nossos pratos de dias atrás, a cachorra latindo. minha boca na sua orelha :
- oi, você vem sempre aqui ?
- hum...sempre...e você ?
- eu também. como nunca nos vimos ?
- você vem fantasiado ?
- sempre.
- eu também. pode ser que já tenhamos trepado, sem saber...
- gosto dessa variação sobre o mesmo tema.
a cachorra late com ódio, saliva, quer nos morder.
cai o pano.
você continua lavando as panelas e eu vou pegar uma cerveja na geladeira.
imã da sapataria "pise leve 24 horas".


meu editor de texto não reconhece várias palavras.
eu, outras.
não me peça carta de amor.


( Orazio Centaro)


quando eu era moleque, no litoral, havia a combinação de sair na noite, caçar rãs nos terrenos baldios.
entrávamos no mato e furávamos com cabo de vassoura em ponta de canivete.
comíamos, depois, feito animais romanos.
sempre que estou sem fome em um restaurante chique, me lembro da cena sangue.
um cara precisa de referências na vida.

estrada é aventura, cama é gozo.
tecla é texto, cigarro é tontura.
a+b =c
rua é teu corpo estendido, medicina legal, perguntas.
kant, você está morto, filho da puta.


quero que você me deixe cansado.
conversa infinita.
que abuse de todas minhas argumentações.
quero ente macaco.


qual motivo para reclamar que coloco cogumelos em tudo ?
feijão, bife rolê, hot dog, canja de galinha, inclusive
strogonoff ?
tenho minha vaca de estimação no quintal
e ela não atrapalha a vida de ninguém nessa comunidade !


saber insultar é uma arte para poucos.
por isso, em defesa,
inventaram a filosofia e a histeria.


me aconselham juízo.
sempre foi assim.
mesmo aquele que agora está aos meus pés,
eu, machado em mãos.

roubo livros, apita o sinal magnético e eu saio correndo.
com o tempo, a literatura, sabe, foi perdendo a graça.


sou mesmo uma puta. sou vagabunda. sou uma desgramada. várias penicilinas para gonorréia. do bairro inteiro, conheço os pintas. brutamontes e fracotes, miopia ou óculos ray-ban. mereço seu tapa. foi bem dado. gostei. agora pinte as unhas dos meus pés. vermelho apocalipse.



sempre tive vontade. o formato, sei lá. ontem comprei uma lâmpada pequena e acoplei. hoje, em rede global, enfiei minha web cam no rabo. demais.

ele gosta que eu crie diálogos imaginários entre nós.
fica no meu colo, de costas pra tela, vez ou outra, vira,
dá uma olhada, sorri e enfia a língua na orelha.
diz que eu escrevo tão bem uma vida perfeita
complicada.

você : minha ilha ? minha ira ?

no cinema, aquela pipoca que você deixou cair no meu colo, que deixei o filme inteiro onde estava.
eu disse que amanhã vou embora de nós.


um desconhecido me manda um e-mail,com a foto do seu apartamento.
de dar dó.
"doutor, agora o que eu faço ? mato a mal parida ?"


meu pai me contava uma história de que, certa noite, em são vicente,
viu o nome da minha mãe escrito na água, navegando ondas e lua, e sabia que seria a mulher da sua vida.
faz tempo que não me conta mais isso. eu gostava de ficar deitado na barriga dele.
pego o carro e vou até a praia, no mesmo lugar que ele me indicou, na mesma estrutura astronônima, cuidadosamente calculada. sento, cigarro e paciência.
uma garrafa pet brilha verde, guaraná, só ela chama minha atenção na maré.
só ela me faz chorar.


O "perfil de Lombroso" é clássico na criminologia. Indica traços no rosto de uma pessoa, que se presentes, avaliam potencial assassino. Eu tenho todas as características descritas. Posso fugir da ciência ? Sempre me perguntei isso. Lavo a mão, esfrego, tiro sangue das palmas. Noite. Pego o elevador para a rua. Dom é dom, porra.



o velho da praça toca o violão com só duas cordas.
tiro sapatos
meias
sambo na avenida domingo madrugada.



eu observo de longe, notícias, mensagens em blogs,
de mim já não quer mais saber.
mas temo por ela,
a idade já avança,
criança.



- você não vai conseguir me irritar, esse seu papo mole, babaca, sou das boas, não vai, não mesmo, sou mais eu, ah se sou.
na cama, o rapaz entubado, coma induzido.



Paulo Castro.