Páginas de Literatura Corporal

19.1.05

ÀS MOSCAS.

Me vejo em confusão, todas os insetos sentem o meu cheiro, se aproximam,
por mais que eu tome tantos banhos por dia.
No salão de dança, as taxi-girls se afastam,
por mais que eu lhes pague aperitivos coloridos.
Testo minha força em brigas gratuitas no meio da rua.
Volto sem sangue para casa.
Estou me alimentando só de bananas e elas estão acabando na cristaleira.
O restante me dá náusea.
Me desconheço.
Sempre fui um bruto.
Agora fico no sofá, vendo a chuva que cai.
E tão dentro de mim mesmo, quanto é possível estar.
Mas ainda, lá no peito, encontro um carnaval de nudez.


( Ludwig Kirchner, 1919)

Se eu morrer, será dessa forma,
Expressionistas damas da corte,
lutando pelo cadáver .
E, obviamente que vou morrer.
Posso me entregar à Máquina, às rodanas, ao funcionalismo público,
mas ainda assim,
Sempre fui um bruto.
Quem me amou sabe.
Quem ainda me ama, tenta bondasamente, afastar os insetos,
para que eu não veja.
Deixo que pensem que são eficazes.

Nunca tive tanto medo de virar pó.
As bananas estão acabando.
Um canivete de marinheiro está enterrado na minha barriga.
Um bruto derrotado vira o que chamam de UM ROMÂNTICO.
Isso é odioso.
Se eu virar pó em breve,
quero ser injetado em infames veias,
quero ser cheirado sobre um espelho partido,
dividido em carreiras por um cartão de crédito inválido.

Quero um orgasmo trêmulo.
Sobre uma cama de espinhos.
Outro dia, faz pouco, me senti iluminado.
Eu sorria enquanto ia perdendo gordura localizada.
Não havia aura nem Nirvana.
Apenas uma extrema bondade universal.
Acho que, nesse dia, dei meu último suspiro.
Quero um orgasmo múltiplo.
Sobre uma lúgubre cama de veludo.

Não quero parecer soturno.
Já disse, eu sou um bruto.
Derrotado ?
Ah, ainda sei dois ou três bons golpes.
Contra a chuva, a lua e os úteros que ressecam nas árvores
decadentes da AVENIDA PRINCIPAL.
Dentro de mim ainda existe esse carnaval de seios cheios
de leite nutriente.
Quero mamar.
Não passo de um nenem.
Vocês sabem disso.
Se eu virar pó, depois do gozo desejado,
serei o NINHO das crianças soberbas, intratáveis, circunscritas
nas grades dos furacões domésticos.

Moscas, beijem minha boca.

Paulo.

6.1.05

"OS SONHADORES"

Paris, 1968.
A Cidade Luz em chamas.
Brasil, 2005.
Você vive em chamas.
O filme é apenas um pretexto.


( Bernardo Bertolucci)

Um pretexto para que você se olhe no espelho.
E veja OUTRA PESSOA.
Aquela que também quer ir além.
O que te molha, quando sozinha, enfia a mão sob a calcinha ?
O que te deixa teso, meu rapaz ?
É fazer almoço com frango grelhado e lentilhas ?
Por que você trepa de olhos fechados ?
Quando goza, acha que viu Deus ?
Por que está sempre se justificando ?
Profiles do Orkut ( "About Me") :
"Adoro meus cachorros e meu marido."
"PASSIONS : Fazer amor com minha namorada."
"Não escreva baixarias no meu scrapbook."
Qual é o problema ?
Se for de outra forma, tudo pode ruir ?
Sim, pode.
Inclusive as suas certezas.
Vamos lá, entre nessa banheira de espumas.
Eu já estou aqui dentro, te esperando.
Vai ser bom.
Vamos fazer cinema juntos.
Menina: O que te incomoda quando você vê a buceta linda e convidativa de Eva Green ?
Meu amigo : Por que você se mexe na poltrona quando vê o cacete enorme e bem torneado de Michael Pitt ?
Isso é sintoma.
Depois, chegam em casa e fazer um amor estranho, meio que pra mostrar que também sabem o que é sexo. Toda segunda, quinta e sábado.
Vem cá, vamos fazer cinema com bolhinhas de sabão perfumadas.
Deixe queimar o frango no fogão e venha em nudez, comigo, até a adega.
Ela guarda tesouros incríveis .
É apenas mais um pedaço de frango-ladainha.
Quando podemos tomar anjos no gargalo.
O difícil é dar o salto. Tomar coragem. Depois não se quer outra vida, fora da Queda.
Já foi dito, é o Básico Instinto.
Jogos amorosos e úmidos.
Você também está entre os SONHADORES.
Acorda molhada, acorda ejaculado.
Mas, com vergonha, vai se limpar no banheiro.
Já trepou no chão gelado de um banheiro ?
Já fez em pé, enquanto rolava a festa ou a revolução ?
Quem sonha não se importa com o mundo.
E isso não é errado.
Você não precisa assistir ao Jornal Nacional.
Você não é obrigada a oferecer donativos ao Sri Lanka.
Mas precisa, porque assim deseja e manda a Natureza, ler os poemas que ficam no meio das coxas.
São pêlos em versos.
Pelos versos.
Todo corpo é poético.
Parece imoral ? É mesmo . Mas você sente. E não precisa se explicar.
Abra os olhos, da próxima vez.
Encare bem firme.
Sinta o sangue.
A pressão é alta.
Vem.
Vamos fazer cinema.
Vamos captar as cenas transgressoras da virtude em flor, perder as pétalas do Vaticano.
Entre aqui.
Está quentinho.
CLAQUETE !

beijos.
Paulo.